Muito além dos alfaces: as polêmicas fazendas hidropônicas urbanas.

Muito além dos alfaces: as polêmicas fazendas hidropônicas urbanas.

Em janeiro de 2020, publicamos em nosso blog uma das tendências de A&B apontadas em nosso relatório de 2019: a proliferação das inovadoras ‘Fazendas Urbanas’ pelo Brasil e, claro, pelo mundo.

Na época, anunciávamos lojas como a Ikea e empresas como a Urban Cultivator oferecendo kits para quem almejava montar uma pequena plantação em casa ou empresas como a Infarm e a Farmshelf combinando tecnologia, design e facilidade de uso para levar hortas para dentro de restaurantes, supermercados e universidades.

Os tempos eram outros. Sim, em um intervalo de quase 3 anos, muita coisa mudou. Instigadas por uma recente matéria do New York Times, achamos oportuno fazermos um balanço da transformação desse mercado nesse período e, principalmente, da evolução da polêmica discussão a respeito do tema.

Como já é de conhecimento geral, o Brasil passou por uma rápida urbanização durante a metade do último século e a proporção de pessoas vivendo em cidades pulou de 36% em 1950 para 87% atualmente (ONU). A ONU projeta que até 2050 essa porcentagem chegará a 92,4%. Com as cidades apinhadas de gente, aumenta a demanda pela produção e transporte de comida do campo para os grandes centros, o que afeta não só a qualidade dos ingredientes, mas também a sustentabilidade dos negócios.

Portanto, produzir alimento em grandes centros urbanos parece fundamental, já que promove a aproximação entre o alimento e o consumidor. O encurtamento da distância entre quem produz e quem compra não é bonito só por ser filosoficamente romântico. Menos tempo e transporte para que um alimento chegue até a mesa significa menos perdas, menos gastos logísticos, menos pegada de carbono e, portanto, produtos mais frescos e de maior qualidade na mão.

Além disso, as ‘tradicionais’ fazendas urbanas, apresentam um impacto claro: mais verde em espaços urbanos e o real aproveitamento de lugares, que poderiam estar abandonados, para a produção de alimento.

Mas se enquanto você lê esse texto o que te vem à mente é a cobertura de casas e prédios cheios de terra, plantações e hortas comunitárias, sentimos muito em informar que o cenário que se desenha não é mais esse. Esquece o sonho hipster de rooftop com horta.

O que o mundo tem visto crescer, de forma exponencial, são startups, que de ‘fazenda’ tem mesmo só o nome. Estamos falando de uma nova geração de fazendas urbanas, que está mudando as regras do jogo nesse mercado ao produzir alimento de forma vertical, hidropônica e, claro, em grande escala. O tão almejado escalonamento, inerente a quase tudo que carrega o sufixo ‘tech’, entra aqui como um elemento que não pode ser mais ignorado.

Trata-se de empresas que usam a tecnologia de ‘machine-learning algorithms’, ‘data analitics’ e softwares para atingir sabores e texturas específicos de frutas e vegetais por meio de nutrientes adicionados à água, temperatura controlada e muita luz de led.

Só os Estados Unidos contabilizam mais de 2.300 fazendas hidropônicas em funcionamento, amparadas por entusiastas de peso. A Bowery , maior fazenda vertical do país, tem como investidores Justin Timberlake, Natalie Portman, além dos chefs José Andrés e Tom Colicchio. Já a AppHarvest, que promete uma das expansões mais promissoras em território americano, conta com Martha Stewart como membro de seu board.

As promessas e vantagens são muitas. Esse novo tipo de ‘agricultura’, cuja produção é milimetricamente e tecnologicamente controlada, não depende em nada das estações do ano e, portanto, não está sujeita a interferências climáticas como geadas, excesso e falta de chuva ou de sol. Não importa onde se esteja e as condições climáticas da região, a produção é constante e garantida.

Outro ponto reforçado pelos novos produtores é que seus alimentos são livres de pesticidas e o risco de contaminação é infinitamente menor, devido ao ambiente totalmente controlado e monitorado por computadores. A higienização também se torna desnecessária, já que não existe solo, muito menos insetos e pragas.

Além disso, a economia de água e a alta produtividade por metro cúbico que esse novo tipo de agricultura oferece parecem bem atraentes. Segundo a matéria do New York Times, Mr. Fain, fundador e CEO da Bowery, afirma que suas fazendas são 100 vezes mais produtivas do que uma fazenda tradicional e usam 95% menos água. Outras companhias garantem que são capazes de produzir em apenas 1 acre (aproximadamente 4 mil metros quadrados) alimentos que uma fazenda tradicional produziria em 390. Algo impressionante e também assustador. Estamos lidando com uma nova escala de produção.

Mas o que seria um futuro próximo, com esse tipo de agricultura cada vez mais difundida nos grandes centros urbanos?

Levantamos algumas reflexões a respeito do impacto e das consequências que essas foodtechs podem causar a médio-longo prazo.

O primeiro ponto passível de crítica é a enorme quantidade de energia que essas empresas consomem ao controlar iluminação, umidade e temperatura de suas plantações. A economia de água é um dos argumentos mais fortes a respeito da sustentabilidade que envolvem esses negócios, mas o quanto a mais se consome de energia elétrica em comparação a uma fazenda tradicional e qual o custo para o meio ambiente?

Em segundo lugar, existe uma clara preocupação sobre as consequências que o consumo de alimentos não produzidos em solo podem ter para a saúde humana. Não importa a quantidade de nutrientes adicionados ao ar ou à água. Não existem pesquisas a respeito e, nesse sentido, muitos acreditam que fazemos parte de um grande e perigoso experimento vivo.

Uma das vozes críticas ao movimento das fazendas urbanas é a do chef e fundador do aclamado Blue Hill em Manhattan, Dan Barber, chamado por muitos de “profeta do solo”. Ele aponta, entre outras coisas, um risco também cultural, com o abandono e a eventual perda do saber tradicional de comunidades que tem anos de vivência e base empírica do que e como plantar.

Um terceiro ponto dos críticos a esse novo modelo de negócio está ligado à sobrevivência da agricultura familiar frente ao crescimento exponencial dessas produções. O quanto, de fato, é possível que a agricultura familiar coexista com a agricultura hidropônica urbana? Essas empresas são uma real ameaça aos pequenos produtores, que vivem do solo, tem produção limitada e sujeita intempéries como pragas e mudanças climáticas?

Por último, nos questionamos o que será o futuro com o avanço da agricultura urbana e controlada por algoritmos. Teremos mais do que hortaliças e frutas sendo produzidas por aero e hidroponia em metros cúbicos urbanos? A alimentação natural, proveniente da agricultura tradicional, seguirá existindo ou se tornará acessível apenas para os poucos que poderão se dar ao luxo de pagar por uma cenoura produzida em solo fértil?

Ficam aqui algumas de nossas reflexões s para pensarmos e discutirmos o tema de forma profunda, e com a complexidade que ele carrega. Nos parece que, como em muitos outros negócios, o bom uso da tecnologia dependerá, sobretudo, das intenções dos fundadores e acionistas dessas novas foodtechs. Nossa esperança é que eles enxerguem as pessoas para além dos números.

comportamento, tendências, muita comida e bebida.

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