Trufas brasileiras: uma realidade mais que embrionária

Trufas brasileiras: uma realidade mais que embrionária

A descoberta de trufas em solo brasileiro já não é uma grande novidade. Encontradas pela primeira vez em 2016, em Cachoeira do Sul (RS), pelo educador, pesquisador e doutor em biologia de fungos Marcelo Sulzbacher, representavam naquele momento um achado gastronômico único, mas de valor ainda teórico. Por ser tratar de um feito inédito, as trufas localizadas nas raízes de uma nogueira-pecã não poderiam ser utilizadas para consumo antes de serem avaliadas em laboratório.

Quase três anos depois de catalogada essa primeira trufa, batizada de Sapucay, a realidade desse mercado é outra e está mudando rápido. A mais de 1200 quilômetros de distância de Cachoeira do Sul, o agrônomo Rodrigo Veraldi encontrou a segunda variedade de trufas brasileiras. Entediado com a pandemia, Veraldi conta que resolveu procurar trufas em seu terreno, situado em São Bento do Sapucaí, na Serra da Mantiqueira, em plena divisa entre os estados de São Paulo e Minas Gerais.

“Como eu gosto muito de botânica, tenho coleções de plantas de clima temperado no meu terreno. Eu sabia que as trufas nasciam associadas com árvores que eu tinha aqui, como o carvalho, as castanheiras, o álamo, a tília e alguns tipos de pinus. Fiquei com isso na cabeça e, na pandemia, com meu restaurante fechado, resolvi cavar o solo para ver seu eu achava vestígios nas raízes dessas plantas. E foi assim que achamos uma trufa.”

Rodrigo Veraldi

Em 2020, a nova variedade encontrada, batizada de Bandeirante, mostrou que a região de Santa Maria não era mais exceção, revelando o potencial desse mercado.

Tivemos a oportunidade de participar de uma “Caça à trufas e cogumelos” promovida no mês de maio pelo Rodrigo Veraldi em sua propriedade, com a participação de Sulzbacher. Durante dois dias acompanhamos de perto esses profissionais para entendermos a complexidade da produção de cogumelos e todas as especificidades que envolvem o gênero Tuber, a famosa trufa.

Trata-se de um projeto que já não é mais tão embrionário assim no Brasil. Apesar da dificuldade de se encontrar trufas em quantidade e do desafio que o cultivo desse tipo de fungo representa, hoje seu consumo já é uma realidade e existe uma cadeia que vem se estruturando para viabilizar a comercialização do produto no país. Afinal, estamos falando da segunda iguaria mais cara do mundo, um ingrediente raro, que também agrega valor imediato quando associado a outros produtos, como é o caso de sais e azeites trufados.

Muito além do hype

Independentemente de qualquer modismo ou afetação que possa envolver o universo das trufas, precisamos considerar os impactos que o futuro (não muito distante) da truficultura terá na nossa economia. Uma realidade que países como o Chile e os Estados Unidos já vivem. “As trufas apresentam um valor comercial bastante elevado. A trufa Sapucay, por exemplo, tem um valor estimado em torno de 6 a 8 mi reais o quilo, dependendo das suas condições”, nos contou Sulzbacher. Além disso, a análise laboratorial feita pelo pesquisador comprovou que a Sapucay era uma espécie ainda não catalogada e descrita pela ciência, o que representava uma descoberta com alto potencial científico e não apenas gastronômico.

A consequência para o mundo gastronômico é evidente. O que antes era um produto utilizado pelas cozinhas de restaurantes italianos ou especializados, hoje passa a ser incorporado por chefs com trabalhos exclusivamente locais. Além disso, como nos explica o chef Bruno Hoffmann “a trufa brasileira é extremamente versátil, pois tem um sabor mais suave do que a trufa italiana, então ela pode ser combinada até com doces. Eu provei a nossa trufa pela primeira vez em uma sobremesa e achei muito interessante.”

Assim como na Itália, onde os caçadores de trufas contam com a ajuda de porcos e cães farejadores, a disseminação da cultura em torno da trufa já começa a dar seus ares por aqui. Nos dias de imersão na Mantiqueira, conversamos com Luiza Sobral, precursora no Brasil da criação da raça de cães farejadores Lagotto, os mesmos utilizados na Itália e em outras regiões da Europa. “Em 2019, trouxe um casal de Lagottos da Croácia e seus filhotes já estão sendo treinados para serem caçadores de trufas”.

Quem agradece é o setor turístico, que com seu ‘turismo gastronômico’ também se beneficiará desse mercado. A exemplo do que acontece na Itália, com circuitos inteiros organizados em torno da trufa, desde as famosas “caças às trufas” na região do Piemonte, até festivais mundialmente conhecidos, como é o caso do Festival Internacional de trufas brancas de Alba.

comportamento, tendências, muita comida e bebida.

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